O que leva mulheres à engenharia?

2023 e essa pergunta ainda é pouco feita, e ainda temos respostas muito rasas. Como: “elas não estão mais presentes na engenharia porque não querem”, “deve ser uma questão de perfil” ou até “não fez parte do nosso desenvolvimento como ser humano que as mulheres sejam engenheiras”.

No fim, são sempre homens que respondem.

Faz 5 anos que Profa. Dra. Liedi Bernucci se tornou a primeira mulher diretora da Faculdade de Engenharia da USP. E um de seus feitos sociais foi investigar o interesse das mulheres pela engenharia com ajuda das pessoas mais interessadas no assunto (e nem sempre consideradas no tema): as próprias mulheres engenheiras. Por que não temos mais delas?

Em conversas promovidas pela faculdade foram surgindo encaminhamentos interessantes para uma resposta. Existe todo um convívio e um aprendizado estrutural que a engenharia o ofício de engenheiro é masculino (embora a gramática nos mostre que ela pede o artigo feminino), e mesmo as mulheres que desde a infância possuem facilidades com as matérias das exatas (o que indicaria um caminho para a engenharia) acabam se enxergando como professoras de matemática antes de engenheiras.

Ainda nesse raciocínio surgiu uma ideia interessante: qual é o estímulo dado às meninas crianças na infância? O que apresentamos a elas enquanto pais, familiares e sociedade?

A resposta é muito simples e já foi veiculada inclusive pelo alto escalão da representação da sociedade brasileira: “Menino veste azul e menina veste rosa”. É no mínimo interessante que essa frase seja encarada inclusive pelas pessoas que discordaram dela e desse episódio da nossa história política recente, porque é exatamente o que fazemos.

Quando nasce uma menina na família, alguém pergunta para a mãe: “Será que temos uma engenheira vindo aí?”. Quantos carrinhos e brinquedos de montar e desmontar essa menina que está se formando ganha? Qual é o estímulo que damos a ela?

A verdade é que apesar da frase da ex-ministra ter sido impactante e até motivo de chacota, ela simplesmente descreveu o que fazemos sempre. Meninos não ganham de presente uma fada que cuida e concede desejos dos colegas ou um jogo de cozinha para brincar de dono de casa. Ganham uma bola, carrinhos, brinquedos de montar e desmontar, e assim o raciocínio lógico é estimulado. Dessa maneira perguntas de “como funciona?” começam a aparecer.

3 fatores foram destaque de todos os eventos arranjados pela Diretora da Escola de Engenharia da USP, porque apareceram de maneira abundante nos históricos de todas as mulheres engenheiras que participaram: a sensação de pertencimento (ou apropriação), uma referência familiar e uma referência na primeira infância.

O primeiro fator aparece como consequência dos demais. Como mulheres crescem sem ver outras nas posições de engenharia, mesmo que se tenham muito interesse não se apropriam nem se sentem pertencentes desse lugar de engenheira. Afinal, durante 16 ou 17 anos a sociedade mostra a elas que o lugar delas é outro: cuidando dos colegas como as fadas ou cozinhando e cuidando da casinha de brinquedo. Então como podemos esperar que a decisão ao fim do ciclo escolar seja algo diferente disso?

Os dois fatores seguintes podem ser comentados juntos. A maioria das mulheres engenheiras que estavam presentes nos eventos da Diretora tinham uma destas duas vivências: ou os pais tinham a mesma profissão, ou se identificaram com uma professora de Matemática, Física ou Química na escola. Parecem situações simples de relatar, mas elas têm uma profundidade que não é considerada pelos homens que procuram saber por que não há mais mulheres engenheiras.

Ter ambos pai e mãe presentes e com a mesma profissão é algo que define fortemente uma filha. Acontece que as definições de profissão, pelo menos para ela, são despidas das definições de gênero. Ou seja, se meu pai e minha mãe têm a mesma profissão, é porque todas as profissões possuem representantes homens e mulheres. Esse pensamento simples que a criança tem pode germinar nela uma noção de liberdade de escolha de profissão que as que não possuem essa condição talvez não tenham.

Não há limites de gênero para profissão na visão dessa menina. E isso é muito forte.

Da mesma maneira, quando há uma referência feminina nas matérias de exatas quando uma menina é aluna na escola e acontece uma identificação entre professora e estudante, a força é da mesma natureza e intensidade. É algo muito forte para uma criança ver uma professora mulher no lugar onde só há professores homens. Quando essa professora consegue cumprir o seu papel de expandir a mente dessa criança para se tornar um adulto melhor, essa admiração recém criada e nutrida com a convivência pode levar a menina a querer ser como a professora, e assim, a barreira de gênero também é quebrada.

Os eventos promovidos pela Diretora da Faculdade de Engenharia da USP não deram conta de responder mais do que isso. Logo chegaram as obrigações de fim de ano, vestibulares, COVID, e assim os encontros foram se tornando escassos antes da resposta se formar.

Por que não temos mais mulheres engenheiras? O que leva mulheres à engenharia? O que fica claro é que a resposta ainda é encontrada por muito poucas de nós, em uma sociedade em que exercer a profissão de escolha ainda é um privilégio.


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